É proibido usar uma fracção para um fim diferente daquele para o qual foi destinado?
"O nº 4 do artº 1422º do Código Civil contempla (apenas e só) o caso de algum condómino que use uma fracção autónoma para um determinado fim e pretenda passar a utilizá-la para fim diverso, contanto se tenha o título constitutivo omisso quanto ao fim. Se estiver determinado no título constitutivo o fim a que a fracção autónoma se destina, a modificação do fim carece necessariamente da alteração do mesmo mediante escritura pública, prévio acordo de todos os condóminos (cfr. nº 1 do artº 1419º do CC).
Este é o primeiro e essencial passo. Obtido este acordo, deverá contactar a Câmara Municipal com a finalidade de sujeitar à sua apreciação um pedido de licenciamento/autorização de uma operação susceptível de afectar o fim da fracção. De acordo com o assento do STJ de 10/5/89:" nos termos do artº 294º do CC, o título constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal é parcialmente nulo ao atribuir à parte comum ou à fracção autónoma do edifício destino ou utilização diferente dos constantes do respectivo projecto aprovado pela Câmara Municipal."
Ainda segundo o acórdão da Rel. Lisboa de29/4/10: "Está, como se referiu, vedado aos condóminos dar à sua fracção uso diverso do fim a que é destinado. O que significa que, uma vez fixada na escritura constitutiva de propriedade horizontal o fim a que cada fracção se destina, e desde que tal afectação esteja em conformidade com o fixado no projecto aprovado pela entidade pública, através da competente licença de utilização de cada fracção, apenas com acordo de todos os condóminos e por alteração ao título constitutivo poderá tal fim ser alterado, ainda que para a alteração tenha que concorrer, naturalmente, também um acto administrativo camarário, que legalize uma utilização diferente, por certo após a aprovação de um eventual projecto de alteração de obra e emissão de nova licença de utilização. Não compete às Câmaras Municipais alterar o fim a que se destinam as fracções autónomas de um prédio constituído em propriedade horizontal."
É consabido que, em regra, uma grande parte das câmaras municipais, senão mesmo a maioria, exige, no âmbito da instrução de processos de licenciamento ou autorização de operações urbanísticas de que sejam objecto fracções autónomas de prédios constituídos sob o regime da propriedade horizontal, autorização da maioria dos condóminos, sempre que a pretensão consubstanciada no respectivo pedido respeite a obras que afectem uma parte comum do prédio ou à alteração da utilização de qualquer uma das suas fracções autónomas.
A devida autorização é comprovada através da acta da assembleia de condóminos em que aquela tenha sido prestada. Ora, se no que tange às obras susceptíveis de alterar ou afectar determinadas partes dos prédios, como as paredes mestras e as que constituem a estrutura daqueles, as colunas, os pilares, telhados, terraços de cobertura, e demais elementos enumerados no artº 1421.º do CC, é pacífica a opinião de que deverá ser exigida autorização do condomínio, porquanto um condómino não tem poderes para intervir unilateralmente num bem comum, alterando-o sem autorização dos demais, já quanto às denominadas “alterações de funções” a aplicabilidade incondicional de tal exigência parece, no mínimo, bastante discutível.
Ora, as limitações impostas pela Lei, no âmbito do direito de propriedade horizontal, respeitam às relações entre os condóminos, sendo, por conseguinte, relações de âmbito estritamente privado. Aliás, o alcance da parte inicial do n.º 1 do artº 1422.º do CC é precisamente esse quando refere que «os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis».
Deste modo, os poderes de licenciamento ou autorização da Câmara esgotam-se na verificação da conformidade de quaisquer obras com as regras de direito público, o que não quer dizer que o dono da obra fique exonerado da obrigação de respeitar todos os demais preceitos gerais e especiais a que a alteração haja de subordinar-se.
O poder conferido às câmaras no âmbito da apreciação de pedidos de licenciamento/autorização de operações urbanísticas esgota-se na verificação da legitimidade dos seus requerentes, numa primeira análise, e na ulterior confirmação do cumprimento das normas que legal e regulamentarmente são aplicáveis aos projectos. Ou seja, o controle que a câmara exerce é meramente de índole urbanístico-administrativa, traduzindo-se na apreciação da adequabilidade do projecto ao fim em vista."
Fonte: Código Civil + Acórdão da Relação de Lisboa de 29/4/10